Mais do que nunca, a sociedade é uma extensão da empresa e vice-versa. Por isso, é impossível construir uma comunicação que não leve em conta todas as exigências éticas, técnicas e estéticas provocadas por essa aproximação.

Quando as equipes de comunicação corporativa (interna e externa) não trabalham em conjunto, o resultado é a construção de mensagens inconsistentes e demasiadamente desalinhadas, o que pode levar a uma “esquizofrenia de posicionamento” e à perda do engajamento entre os funcionários, clientes e demais stakeholders.

Por esse motivo, é muito difícil pensar em produzir uma comunicação voltada somente aos colaboradores, que esteja descolada do que a sociedade como um todo aprova, segundo Paulo Nassar, diretor-presidente da Associação Aberje e professor da ECA-USP.

“É claro que o conceito de CI não deve ser jogado no lixo, mas precisa ser relativizado, porque foi construído para organizar o pensamento e a ação, além de dar foco maior a especificidades que existam em determinada relação, dentre elas a relação com os empregados”, explica.

O conceito de comunicação interna também passa por uma transformação porque o empregado hoje tem múltiplos papéis. “Um profissional, que no passado era considerado apenas parte do público interno, hoje pode ser também acionista da empresa, ou ainda, um formador de opinião, na medida em que produz conteúdos nas redes sociais e influencia pessoas”, afirma Nassar.

Paulo-Nassar-blog-trama

Paulo Nassar, diretor-presidente da Associação Aberje e professor da ECA-USP

“Então como que uma companhia vai se colocar de forma ilhada, diante de tudo isso? Se ela dobrar sua aposta em uma comunicação que não dialoga com todas as facetas do funcionário, vai perder competitividade, já que a atração de talentos será reduzida e a própria retenção dentro da organização cairá”, complementa.

Outro ponto de atenção, que exige das empresas um empenho maior em integrar a comunicação é o vazamento de informações, que geralmente acontece quando o empregado tem muitos papéis. Se ele percebe o desalinhamento da companhia em relação à técnica, ética ou estética, passa a exercer uma avaliação crítica vazando a informação para públicos que possam corrigir esse desalinhamento.

“A comunicação da empresa está em um campo expandido. E com a pandemia vimos isso se radicalizar, pois o contato com o colaborador também passou a ser presenciado por outros integrantes da família que compartilham o ambiente com esse profissional”, completa Nassar.

Home office acelerou a integração

Com o trabalho remoto, as empresas não podem ser avaliadas ou valoradas apenas pela sua estrutura física, já que sua marca, a comunicação entre seus integrantes e o seu funcionamento como um todo são itens cada vez mais intangíveis.

Nesse cenário, a comunicação com colaboradores ganhou destaque na estratégia de gestão. Eles precisaram receber uma comunicação muito mais ágil, capaz de integrar equipes e despertar senso de pertencimento, mesmo a distância.

“Por outro lado, os comunicadores também precisaram ser bem mais cuidadosos com a gestão da reputação das organizações, mais suscetível a crises internas e externas, já que foi necessário lidar com a emergência sanitária, equipes desfalcadas, com a saúde mental dos funcionários e com a dificuldade das chefias de liderar a distância”, declara Leila Gasparindo, CEO do Grupo Trama Reputale.

Leila

Leila Gasparindo, CEO do Grupo Trama Reputale.

Objetivos devem estar claros

A comunicação corporativa e a comunicação com empregados devem ser integradas na estratégia completamente. Obviamente, a comunicação vai usar diferentes meios, plataformas e mensagens-chave adequadas para atingir os seus diferentes públicos. Porém, a área precisa ter claros quais são os seus objetivos linkados à estratégia do negócio e à construção reputacional.

“Os pilares de comunicação devem ser bem definidos para que os diferentes públicos tenham uma percepção única da empresa. Se ela busca ser reconhecida como inovadora no mercado, por exemplo, precisa levar essa mensagem para fora e para dentro, sem dissonância”, explica Leila Gasparindo.

“A forma como ela vai abordar o tema dentro da empresa pode ser diferente do que ela abordaria com a imprensa ou com investidores. O que muitas vezes acontece, quando as empresas não têm essa estratégia mais integrada, é a projeção de uma imagem inovadora no mercado, por exemplo, e para seus fornecedores ou empregados transparecer um ambiente mais burocratizado, de pouca colaboração e autonomia com responsabilidade. O que vai na contramão da sua estratégia de posicionamento”, exemplifica a CEO do Grupo Trama Reputale.

Os desafios estão no alinhamento cada vez maior entre o que a organização diz ser e o que ela faz, entre a promessa e entrega, entre as narrativas e o atitudinal. E, nesse sentido, projetar para fora histórias inspiradoras dos colaboradores que valham a pena serem contadas é algo que realmente mostra quem a companhia é no seu dia a dia, com lastro e veracidade.

“Cada vez mais companhias estão apostando em ampliar seus territórios de narrativas, dando visibilidade externa e interna a histórias de vidas inspiradoras baseada em valores humanos universais. Pode ser para um objetivo interno como trazer a um profissional a noção de que seu trabalho atende a um propósito muito maior do que ele imagina ou para um objetivo externo, como levar para fora histórias de voluntariado de seus funcionários”, complementa Adriano Zanni, diretor de Engajamento e Comunicação com Empregados do Grupo Trama Reputale.

adriano-zanni-blog-trama

Adriano Zanni, diretor de engajamento e comunicação com empregados do Grupo Trama Reputale.

“Isso não é novo, na verdade. No final dos anos 20, surgiu o modelo de relações humanas que entende que quando você ouve seu empregado você tem ganhos de produtividade. Alguém que só era visto como empregado passou a ser reconhecido como alguém complexo capaz de promover um fluxo ascendente na comunicação. Há uma passagem do protagonismo para o colaborador, que valoriza o senso de pertencimento”, acrescenta Nassar.

Uma questão de reputação

As marcas estão ocupando espaços cada vez mais amplos com seus públicos, envolvendo os na concepção de novos produtos, nos seus projetos sociais e até em seus negócios, sem esses limites do interno e externo. Isso acontece em estratégias 360 graus de marcas que englobam ações de relações públicas, de mídia, de canais internos, de redes sociais e até da publicidade.

“O principal benefício é o da reputação, já que a ela é construída ao longo do tempo e depende do alinhamento da imagem que os diferentes públicos têm da organização. Quanto mais uma empresa tem uma comunicação corporativa alinhada com sua identidade – missão, valores, propósito, e que seja projetada com estratégias que atinjam todos os seus públicos, mais alinhada será a percepção dos públicos sobre ela e melhor será sua reputação”, conclui Leila.